Cineucalipto

Repare o seguinte fato: Em uma viagem, ao acelerar – de preferência em pista boa – a paisagem paralela ganha novo significado. Não que caminhar tenha perdido seu sentido – até porque a falta de pressa parece estar fora de moda. É que é possível enxergar o novo mesmo estando no mesmo lugar. O quase isso.
Muros e construções acinzentadas se pasteurizam num patê pastel, pessoas vão virando borrões e o céu uma grande língua azulada dos dias abertos. A variedade decai ou sobe, infinita.
Das combinações, uma das fascinantes entre as mais é a dos intervalos que ganham vida – nem que seja como listra simples. Explico: Sobreponha uma sistemática estrada de fileiras de árvores paralelas, eucaliptos, como exemplo mais fácil.
Em alta velocidade as filas criam lojas de luz, que vi usarem de maneira bastante curiosa. De 10 em 10 árvores uma palavra se repetia numa placa. Algo que não fazia sentido em pés humanos, mas em quatro rodas, sim.

“BEM-VINDA DE VOLTA”.

O grande problema seria a distração causada pela primeira ideia. Depois que o ato viralizou-se em redes, o que vemos hoje é:

“OLHE PARA FRENTE”.

O fim da poesia ou a vitória máxima dela. Nenhum eucalipto saberá.

->->->

encontrou bebê->levou pra casa->discutiu com mulher->você não queria presente?->não seja infantil->não vou devolver->isso não é produto!->que bom que entendeu->vai levar para o conselho->não!->vou sim, não é porque você não foi que…->esse filho é meu->não tinha achado na rua?->na maternidade->e porque resolver roubar da sua outra mulher->eu não tenho outra mulher->e esse bebê->eu roubei da maternidade!->meu Deus, ele não é seu?!->agora é, quem perdeu foi relaxado-> tô ligando->larga esse telefone-> alô? Queria fazer uma denún…->adeus->volta aqui-> por que?!-> já?-> por que?!-> era mentira, eu não estava ligando-> hein?->era pra testar->como assim?->o filho é meu->entendeu agora?->eu confesso->não precisa-> vem cá-> buááá->->->cale a boca, moleque!->porque você mentiu?->você descobriu que era meu e roubou do meu amante, para que acha que eu menti?->quero uma justificativa-> toma essa buquê-> ?-> case-se comigo!->mas sou eu quem…->a gente já vive junto mesmo->esse bebê é nossa aliança->bebêleza.

Aventuras do Homem Cubículo

Cu-bículo.
Quadrados metros de tédio.
Arestas de produtividade, 90×4 de relatórios, todos √2mente alinhados para completo T.O.C. afagado, um afago verde e podre, em dígitos mais secos para cada início de mês.
Xerofinanceiria.
E na xerox variava de quadrado para retângulo, redondo o café e a propaganda do que na promessa assim desceria no happy hour se chegasse sem dormir em cima da mesa.
Mesa quadrada.
Espaço para mesa redonda?
Isso não dá dinheiro, não encaixa, encaixota, guarda-retira.
E aquele modelo japonês de escritório?
Qual?
Aquele, com empregado-calculadora incluso.
Cubí-cu-lo.

O Amor Dos Fatos

Um idoso, com suas rugas, costas e testa sentou-se em um banco de praça, esperando o vento passar, o tempo soprar nas narinas, talvez descansar de tarde, ou para sempre, não sabia quando, sabia que estava sentado quando viu uma garota, bufando contra o chão e chutando folhas, passando.
Pararam, se encararam, ela percebeu que ele queria falar algo, sentiu que demoraria pelo silêncio que o senhor portava, cheio de preparação de discursos, então sentou-se, e num ato de compreensão, quem sabe para redimir a má impressão anterior, sentou-se e disse:

– Pode dizer, ouvirei tudo que o senhor quer que eu ouça.

E ele sem pressa ou paixão, começou:

– A vida toda, tentei entender as pessoas com compreensão, tentei enxergar lógica nos atos e dar o que queriam com base no que deveria ser seguido. Foi uma das maiores frustrações que passei, sem sombra de dúvidas. A felicidade minha foi ter a oportunidade de entender isto antes de estragar tudo, de exigir demais de todos. Não somos máquinas ou equações, infelizmente para uns, felizmente para outros.
Algo que notei no fluxo das décadas foi como as palavras perderam seu peso, seu valor, em dias atuais vejo que declarações sérias são nada mais do que pontos desconexos, o mundo está dinâmico demais para levar em conta promessas ou eternidades de fidelidade, isto mais me entristece, porque não sei lidar com esse panorama sem achar que os valores reais estão se dissolvendo no meio dos momentos que devem ser ignorados, novamente, sou de tempos em que o que era dito tinha peso muito alto, onde a honra era algo que sufocava, mas que mantinha, então sou naturalmente mais tranquilo com tal quadro, não me dou nem um pouco bem com essa frequência alucinante da banalização das coisas de hoje, tudo por um pouco mais de atenção?
Não sei.

Após uma pausa, respiradas, olhares, retomou:

– E aí, tive de parar e perceber que tão recentemente quanto o fenômeno da banalização está seu ponto positivo: A elevação do amor mais puro, o amor do ser. Este eu obtive quando estive em situações delicadas com muitos irmãos de alma e demonstrei quando estive em situações igualmente difíceis. É o amor que só é demonstrado por quem te conhece, aquele amor que é específico da atenção real. Explico: Te conheci por toda a vida, sei quem és, sei que tens uma alma doce e sincera, mas como qualquer ser humano – que não é matemático – teves seus momentos de falha, onde os fatos falaram mais alto do que toda tua vida. Daqueles momentos em que sua trajetória inteira foi resumida num ato ruim. Quem nunca ouviu falar de você, ou mesmo quem ouviu falar e não te conhece de fato ou conhece e não está num momento bom, irá te condenar sumariamente por aquilo – não só sua atitude, mas você inteiramente, tudo que você representa. Bem como você pode se encontrar na situação oposta, num ato brilhante, e ser amada por muitos, em que você se resumirá somente ao ato específico, independente do que foi realizado durante a existência.
Este é o amor dos fatos. Traiçoeiro, causa muitos desentendimentos e só atrasa a vida. É um laço frágil que não recomendo para ninguém, porém pode – pela terceira vez, infelizmente – ser necessário para sobreviver. O que é uma verdadeira lástima.
O amor do ser é o amor que tenho por ti, minha filha. Sei que falhastes, reagi como pai, o que te irritou profundamente, até agora. Fico feliz que tenha me dado crédito para ouvir. O amor do ser é o que nutro por ti, é maior e amplo, é o que perdoa incondicionalmente e com certeza é mais fácil de ser elucidado em tempos de hoje. Como as palavras estão se dissolvendo, seremos mais forçados a desenvolver esse amor do que nunca. Claro que tal poderá, num efeito contrário, desaparecer terminantemente se caírmos em um estado onde nos deixamos levar pelo fluxo dinâmico das banalizações diárias, em que não analisamos os atos e só os deixamos acontecer sem pensar ou calcular sequer por um minuto, desligando nossas mentes e entrando em modo automático, sim, o amor do ser pode sumir.
Mas prefiro acreditar que não, que no momento em que digo isto, e vejo seus olhos lacrimejando, sinto que entedestes a ideia, percebo que ela não morrerá aqui. E este é o sentido do amor do ser, sobressair qualquer amor dos fatos. Te amo por quem você é, pela sua vida inteira, não pelo que você fez hoje ou ontem, isso não é você, mas um fragmento ínfimo de tempo dentro de uma existência tão rica.

O longo abraço encerrou a conversa e o dia.

Distal

O pulso foi perdendo a consistência, estava ficando pastoso, perdendo camadas, a pulsação só aumentava, mas a sensação era de desmanchamento, desfazição, degradiação, dislaliafágica.

O pulso

A pulsação

Os plural

As afeição

Foi tudo sumindo – não era a primeira vez, nem a primeira pessoa -, como não deveria ser, provocaram isso, não autofiz, não me imputei, e vão achar que não foi, que vacilei, é o que eu acho e assim é o que vão, pois o que vão no fim são o que eu.

Ainda batia.

Mas todo escuro jazia.

Estava tudo bem, tudo bem, bem, bem, bem

 

Todos querem desaparecer em um dia.

Amanhã brilhar de novo, de novo.

Terreiro e Terraço

– Não quero uma vida que se resuma em projetos inacabados.

O expirar cinza, um verão enjoativo, uma situação que nunca mais foi nova, a novidade que se disfarçou, e o disfarce de bigodes de fumaça, narizes-escopetas apontando para executar qualquer céu que azulasse com ombros rachados e joelhos perdendo os cacos e mais rachaduras brotavam nos abraços.

– Se quer uma vida, vai ter que correr esse risco.

A facada, o soco furtando ar, o sangue jorrando, a mancha que crescia feito o demônio e os diabos que seguiam fazendo que a beleza da rotina estivesse em gozar da desgraça alheia absoluta para poder ficar eufórico de cultuar a miséria do si.

– Ato único: As alternativas – TODAS – são ilusões.

Prisão (?)

As recomendações não foram respeitadas, os protocolos foram ignoradas, as regras foram quebradas, os códigos sumariamente atropelados. E se instalaria o caos social.
Instalaria?
Na primeira semana a maioria não saiu das próprias residências, estavam com muito medo do que poderiam encontrar do lado de lá, do lado de fora, do lado inusitado, do lado não controlado. Assim passaram-se duas semanas com cada família não aparecendo ou não existindo, apenas terminando de consumir os suprimentos até a fome de soluções aparecer.
E veio.
Foi engraçado – confesso – ver cada um saindo feito tatu, até retomarem a vida sem nem lembrar que naquela cidade já houve alguma obrigação.

Sentido Real

As pernas finas e depiladas brilhavam um branco intenso no sol matinal, por de trás do banco se viam os pés tirando a sapatilha azul, o vestido branco com minúsculas flores de um país que ela nunca fora estampavam-no do início ao fim, se alternando com as tiras amarelas do acento de madeira.

O chão misturava folhas amassadas, os pés estavam sentido o chão, o teto era muito agradável, o ar limpo e a sombra da árvore refrescava os cachos que voavam com a brisa leve e quase-fria do horário.

Algumas memórias teimariam em vir, claro, todas tão límpidas, as últimas coloridas. Que venham. Hoje o dia tem mais cores que todos. Calçou as sapatilhas enquanto era guiada por ele para seu almoço de noivado. Você enxerga mais do que qualquer um quando, enfim, confia.

Outra de Desamor

A cloaca das horas se revelava nas esperas, tudo que recebíamos parecia vir do fim do sistema digestório do sistema; mesmo estando no topo dele a pergunta era recorrente: É isso tudo o que a vida tem a oferecer?

– Eu perdoo sua traição.

– Mas não houve traição alguma.

– Claro que houve, aconteceu, ocorreu e todos os sinônimos necessários para fixar a ideia.

– Acho que está havendo um engano aqui.

– Sim, a enganada aqui está.

– Isso não parece atitude de alguém que começa a conversa dizendo que perdoou…

– Então você admite?!

– O quê? Sua perda total de juízo?

– Esse eu perdi ao achar que algo daria certo contigo.

 – Pois bem, na sua primeira e última falas você citou “eu”. Que assim fique. Não preciso mais morar aqui.

– Não se vá! Eu te perdoo por me trair, volta…

A pesada mala só não era mais difícil de carregar do que o ar de partida e imaturidade. Agora esperar outro alguém?

Alto e Fundo

– Aquela pipa enganchada na árvore da praça.

– Só?

– É, é isso e você ganha a aposta e o prêmio.

As pernas magras, finas e tortas do garoto entravam em disparada, a bermuda vermelha suja de café fazia ele parecer um raio escarlate, pelo menos em sua imaginação, claro.

Não deveria ser tão difícil, era subir e olhar pra cima e…

Era alto pra caramba.

E daí?

Era só não olhar pra baixo.

Um galho, outro, a pipa estava próxima. Só encostar e…

Susto.

 

Baque surdo no chão.

Como eu respiro? Como eu levanto?

Só os olhos giravam em sua órbita,

desesperados.

Lembrou do que não poderia mais fazer

deixar disso

e abrir mão daquilo

!

 

 

Não.

Levantou e saiu correndo.

– Toma essa pipa aí. Não quero dinheiro nenhum.

– Hein? Por quê?

– Porque sim. Tô vivo.