Distal

O pulso foi perdendo a consistência, estava ficando pastoso, perdendo camadas, a pulsação só aumentava, mas a sensação era de desmanchamento, desfazição, degradiação, dislaliafágica.

O pulso

A pulsação

Os plural

As afeição

Foi tudo sumindo – não era a primeira vez, nem a primeira pessoa -, como não deveria ser, provocaram isso, não autofiz, não me imputei, e vão achar que não foi, que vacilei, é o que eu acho e assim é o que vão, pois o que vão no fim são o que eu.

Ainda batia.

Mas todo escuro jazia.

Estava tudo bem, tudo bem, bem, bem, bem

 

Todos querem desaparecer em um dia.

Amanhã brilhar de novo, de novo.

Terreiro e Terraço

– Não quero uma vida que se resuma em projetos inacabados.

O expirar cinza, um verão enjoativo, uma situação que nunca mais foi nova, a novidade que se disfarçou, e o disfarce de bigodes de fumaça, narizes-escopetas apontando para executar qualquer céu que azulasse com ombros rachados e joelhos perdendo os cacos e mais rachaduras brotavam nos abraços.

– Se quer uma vida, vai ter que correr esse risco.

A facada, o soco furtando ar, o sangue jorrando, a mancha que crescia feito o demônio e os diabos que seguiam fazendo que a beleza da rotina estivesse em gozar da desgraça alheia absoluta para poder ficar eufórico de cultuar a miséria do si.

– Ato único: As alternativas – TODAS – são ilusões.

Prisão (?)

As recomendações não foram respeitadas, os protocolos foram ignoradas, as regras foram quebradas, os códigos sumariamente atropelados. E se instalaria o caos social.
Instalaria?
Na primeira semana a maioria não saiu das próprias residências, estavam com muito medo do que poderiam encontrar do lado de lá, do lado de fora, do lado inusitado, do lado não controlado. Assim passaram-se duas semanas com cada família não aparecendo ou não existindo, apenas terminando de consumir os suprimentos até a fome de soluções aparecer.
E veio.
Foi engraçado – confesso – ver cada um saindo feito tatu, até retomarem a vida sem nem lembrar que naquela cidade já houve alguma obrigação.

Sentido Real

As pernas finas e depiladas brilhavam um branco intenso no sol matinal, por de trás do banco se viam os pés tirando a sapatilha azul, o vestido branco com minúsculas flores de um país que ela nunca fora estampavam-no do início ao fim, se alternando com as tiras amarelas do acento de madeira.

O chão misturava folhas amassadas, os pés estavam sentido o chão, o teto era muito agradável, o ar limpo e a sombra da árvore refrescava os cachos que voavam com a brisa leve e quase-fria do horário.

Algumas memórias teimariam em vir, claro, todas tão límpidas, as últimas coloridas. Que venham. Hoje o dia tem mais cores que todos. Calçou as sapatilhas enquanto era guiada por ele para seu almoço de noivado. Você enxerga mais do que qualquer um quando, enfim, confia.

Outra de Desamor

A cloaca das horas se revelava nas esperas, tudo que recebíamos parecia vir do fim do sistema digestório do sistema; mesmo estando no topo dele a pergunta era recorrente: É isso tudo o que a vida tem a oferecer?

– Eu perdoo sua traição.

– Mas não houve traição alguma.

– Claro que houve, aconteceu, ocorreu e todos os sinônimos necessários para fixar a ideia.

– Acho que está havendo um engano aqui.

– Sim, a enganada aqui está.

– Isso não parece atitude de alguém que começa a conversa dizendo que perdoou…

– Então você admite?!

– O quê? Sua perda total de juízo?

– Esse eu perdi ao achar que algo daria certo contigo.

 – Pois bem, na sua primeira e última falas você citou “eu”. Que assim fique. Não preciso mais morar aqui.

– Não se vá! Eu te perdoo por me trair, volta…

A pesada mala só não era mais difícil de carregar do que o ar de partida e imaturidade. Agora esperar outro alguém?

Alto e Fundo

– Aquela pipa enganchada na árvore da praça.

– Só?

– É, é isso e você ganha a aposta e o prêmio.

As pernas magras, finas e tortas do garoto entravam em disparada, a bermuda vermelha suja de café fazia ele parecer um raio escarlate, pelo menos em sua imaginação, claro.

Não deveria ser tão difícil, era subir e olhar pra cima e…

Era alto pra caramba.

E daí?

Era só não olhar pra baixo.

Um galho, outro, a pipa estava próxima. Só encostar e…

Susto.

 

Baque surdo no chão.

Como eu respiro? Como eu levanto?

Só os olhos giravam em sua órbita,

desesperados.

Lembrou do que não poderia mais fazer

deixar disso

e abrir mão daquilo

!

 

 

Não.

Levantou e saiu correndo.

– Toma essa pipa aí. Não quero dinheiro nenhum.

– Hein? Por quê?

– Porque sim. Tô vivo.