Vejo duas crianças reproduzindo uma cena bastante comum: Uma fala cada vez mais alto enquanto a segunda tapa os ouvidos e repete uma sílaba como se não houvesse amanhã. É engraçado pensar que mesmo com todo esforço das mãozinhas em não deixar nenhum som invadir, pelo menos uma palavra acaba invadindo o recinto mental. E mesmo que finja não escutar, escuta.
E o que não é nem um pouco engraçado, dependendo de como acontece pode ser até trágico, é o inverso.
_E por isso eu resolvi escolher esta carreira, pai.
_Não.
_Como não? Eu acabei de justificar para o senhor que não há problema e não prejudicarei ninguém, nem a mim mesmo.
_Isso não é profissão de gente decente, gente trabalhadora.
_Eu acabei de falar…
_Se quiser continuar, vá, mas não aqui nesta casa.
E então, descubro que ele não precisou sequer tapar os ouvidos. O som entrava, fluía, sambava no corpo do ancião, porém a palavra em repetição silenciava qualquer vibração molecular.