Como Tornei-me Dono De Uma Casa Mal-assombrada

O muro era alto, cercava a residência com um círculo de pedras gastas, blocos grandes de granito infestados de rasteiras e trepadeiras. O ambiente úmido e frio, com certeza era um local de manhãs neblinadas, o portão era uma sequência de barras de liga metálica resistente, no centro um escudo com um “t” maiúsculo cheio de ornamentação e nostalgia.
Chovia uma chuva exata e fixa, sem vento, sem raios, sem-graça, uma dessas águas de tristeza e não de renovação. Adentrando o terreno, o que parecia ser um jardim na lateral esquerda estava mais para um mono-arbusto gigantesco, era feio e evidenciava que o abandono do local já passava os anos contáveis. No centro um caminho de pedras minúsculas, todas cristais brutos, desses que você encontra após revirar um monte de pedras pequenas, tal via ia da entrada à área da casa.
No canto direito, brinquedos como escorregadores e balanços, tudo enferrujando, assumindo um tom chamuscado e melancólico com as gotas que caíam do céu. Os que tem ouvido mais sensível conseguiriam usufruir da hidro-sinfonia que aquele antigo parquinho expressava, não era magnífica, mas era constante.
A área ampla era povoada por cadeiras espaçosas, com almofadas de espuma podre, três perto da porta, duas apontando para o jardim e uma pendendo entre o bloco da área para o ladrilho do lado direito do imóvel.
A porta de madeira soava com o piso branco e o teto gelo, o brasão estava presente no obstáculo de cerejeira. Uma lápide cravada perto de uma gangorra.

_Joga pra mim!
O filho já sabia projetar a voz bem alto, para um menino de 4 anos seu vocabulário era vasto e impressionava os subestimadores de sempre. O pai fez a bola amarela quicar no chão para confundir o garoto, que de prontidão não correspondeu as expectativas do adulto, pegando a bola com agilidade.
“Ele está crescendo rápido.” Pensou o que tinha 30 anos de vida própria e 5 de paternidade. Ganhou um motivo para viver, ganharia um para morrer daqui uns instantes.
É, acho que agora. Está vendo ele entrando com o seu filho para falar com a mãe que ela tem um futuro campeão?
Então, 3, 2, 1…

_Nara! Por quê? POR QUÊ?
O menino não entendeu o motivo da bela moça estar dormindo na banheira.

Eu não entenderia pelos próximos quinze anos, sei que saímos daquela casa. Não demolimos, não vendemos. Eu a mantenho lá, ela não é depredada por causa do natural processo de amaldiçoamento que a construção passou. Não fazia ideia de que eu moraria numa dessas cenas de terror. Era tudo muito gélido por lá.
Moro a 10 horas da antiga casa, na cidade dos meus pais de sangue. Eles – que estão vivos – não me culpam, afinal eu não sabia que era adotado, nem minha falecida mãe, que descobriu que era estéril – o pavor da juventude dela.

Sonhos Lúcidos – 1

Nota do autor: É mais uma série de contos, nesta eu resolvi explorar formas, movimentos e pensamentos de uma maneira não-sitiada, assim, recomendo o consumo para os que queiram algo mais pro lado fantástico. Boa leitura 😉

Dessa vez eu estava em uma sala preta, não havia janela nem porta, era um cubo com uma lâmpada incandescente no meio, pintada de branco. Eu até ia questionar a minha presença naquele ambiente e pensar em uma maneira de sair, porém a fonte de luz começou a inchar, e foi crescendo como um balão, desses de festa infantil, contudo ele seguia o formato de uma esfera perfeita até tocar o teto e o chão, eu fiquei preso num dos cantos, fugindo daquela coisa que iria me engolir, a sensação claustrofóbica só piorou quando eu não conseguia mais visualizar a sala, eu percebi que a massa continuava crescendo, porém nunca me alcançava; a sala já não estava ali, eu flutuava num vácuo enorme, a esfera crescia sem limites agora, me levando adiante, era isso, eu estava viajando com a esfera no nada, ela ia iluminando os caminhos sem parar, o irônico era que só havia eu e esse meio de transporte exótico, mais nada, era tudo vazio, porém eu conseguia respirar bem, sentia o vento, tentei voltar para a bola, andei sobre ela, esta assumia uma textura macia, de uma almofada nova, tentei dar uns pulos, a noção de gravidade não havia mudado nela, mas não havia início nem fim e naqueles confins só me restou esperar até perceber que já perdia a visão do que era a circunferência, no meu horizonte apenas um grande branco, uma alvura desesperadora, era um quarto branco agora, com uma luminária desligada no chão, era um bastão luminoso desligado, não, na verdade era mais horripilante, era uma luz… Sem luz, uma escuridão que fazia oposição a brancura do local. Iria tudo começar de novo, eu pensei, entretanto o que aconteceu foi algo similar a uma explosão, o objeto abriu-se num movimento demorado, helicoidal, pareceu uma vida, por fim eu sentia minha matéria desconstruindo-se e acordei.
Um susto.

Relações com elogios.

_Olha só, eu estava planejando um café pra lançar o livro.
_E quem vai?
_Ah, chama o pessoal da coluna social de uns três jornais e tá bom.
_Deixa eu folhear o clímax dessa sua auto-ajuda.
_Tá, mas folheie sem dó.

“Relações com elogios.

Pode-se avaliar o elogio, fundamentalmente, como moeda de troca. Naturalmente, os percalços de um objeto permeiam tal conceito abstrato, porém este é doce na metade das ocasiões, ou na minoria.
A forma de tratar com o uso de predicados delimita vários tipos sociais, assim, citarei alguns caracteres comumente, ou nem tanto, encontrados na rotina, na vida.

TIPO 1 – A BICA DO MEU SÍTIO TEM ÁGUA MENOS PURA QUE A DO SEU –

Tal tipo é o clássico viciado em elogios – alheios -, como um cão, esquece de tudo quando recebe bons comentários e abana um rabo imaginário, este rabo representa um apêndice desta alma que tanto sofre com a abstinência, geralmente evolui para este estágio aquela criança que é super-paparicada por pais, tios, professores e outros adultos, tal mar de estima condiciona o infante de modo que qualquer ação seja com fins de receber um “Que bonitinho!”.
A dopamina define uma infância, então temos um que provavelmente sofrerá de bullying e passará o resto da vida (ora miserável, ora grandiosa) com gotas de bondades dos outros. Como esse tipo basta paciência e uma injeção de auto-estima duas vezes por semana.

TIPO 2 – A ARMADURA QUE ME PROTEGE NÃO IMPEDE QUE EU PISE EM CASCAS DE BANANAS –

Aqui encontram-se os que não receberam quase nenhuma observação afetuosa. Também são definidos na infância, e conforme o indivíduo mais apanha que sorri, uma casca, uma espécie de crosta bastante espessa, protege – aparentemente – de consequentes abalos.
E o que presencia-se é o sujeito de emoções profundas (Não que os outros sejam rasos), do tipo que desenvolve um código de ética próprio e usa-o como faca contra o mundo, se vingando contra todos, afetando o nada. Costumam ser calados. Dê atenção e, pronto, mais um caso resolvido.

TIPO 3 – SOU REI DE MIM, POR ISSO LAMBA MEU DEDÃO –

Neste caso a menoridade é irrelevante. É um humano que se desconstruiu e remoldou-se para estampar alguma espécie de força misteriosa-(também para preencher lacunas de personalidade)mística-uga-uga. Tem pleno controle sobre os elogios que recebe e emite, costuma ser indiferente a qualquer tentativa empática de gentileza.
Como tal considera-se em um plano “acima da massa” é deveras complicado discutir com gente assim, que de início pode emular feições de quem aceitou a teoria proposta pelo interlocutor, porém em seus confins mentais só reafirma sua genialidade.
Pode parecer complicado contornar tal gênero, contudo basta surpreender a realeza com gestos aleatórios e frases sem sentido que aparentem conter algum. Assim o teto quebra e o argumento também.

TIPO 4 – O SENSATO, BOM SENSO, ISO 9001 –

Outro caso de falso-positivo. Por trás de uma política rígida de equilíbrio e bom gosto esconde-se o paranoico. A infância também não é fator obrigatório, é um dos tipos mais complexos em suma. O louco oculta-se em alguns esboços emocionais – ou de extremos, ou de exagero sóbrio – alguns atos (sempre atos, as opiniões são sempre consenso, pacíficas e muito bem planejadas) que revelam o monstro do médico.
É de agradável convivência, até perceber o quanto de engenharia social você, leitor, foi vítima. Não confundir com psicopata.
Para lidar com este tipo é devolver na mesma medida. Muita observação e escancarar o que já foi notado.

TIPO 5 – O PASSIONAL / O NEUTRO / O AMANTE UNIVERSAL

Por fim, apresento-lhes os subtipos. Derivam dos tipos anteriores, são geralmente combinações.
– O passional: Pessoa carente, elogia para ser elogiado e tem surtos de fala contínua.
– O neutro: Não é bom alvo de estudo. É o sem-sal, o sujeito robô. Surpreende pela falta de humanidade.
– O amante universal: Elogia o mundo, sente a obrigação de agradar de Barack à Baraka e assim ganha má fama.”

_E o que achou?
_Acho que dá pra ganhar uns trocados.
_Chamou o pessoal da social.
_Chamei sim, eles vão adorar.

Mais Original

As madrugadas de segunda-feira eram serenas e solitárias, tudo esvaziava-se e as ruas desertas transformavam-se em fitas negras que percorriam o pacote metropolitano. Não havia curso d’água ou esgoto a céu aberto (na parte urbana, ao menos) por ali, assim, os suicidas pulavam de viadutos, espatifando-se no chão, formando um boneco de ação desfigurado, com membros amolecidos, como um polvo de quatro tentáculos.
Todavia, a população escolhera a segunda para desexistir, com isso, até os que queriam ceifar a própria vida também sumiam. O que se encontrava e se encontra são aqueles restos de gente por algum canto, morrendo, sempre.
Dos viadutos com nome de gente que nunca andou descalço quando não queria, o preferido dos que apareciam e sumiam com as sombras era o menor, o que passava, no máximo, dois veículos pequenos por vez; vou descrever a construção para os leitores:

Na base um triângulo retângulo de cabeça para baixo, uma coluna tímida no meio fio, outro triângulo na margem oposta. Por cima, a língua de concreto pintada com um vermelho ralo. Vale lembrar que a cor pastel da parte de baixo era decorada e desafiada pelas pichações, assinaturas, chicletes, ranhuras, furos, papéis e ocasionalmente um vermelho-antrópico, de incidentes e fatalidades daquele local.
Lendo os nomes fui convidado a pensar se todos os vocábulos estavam lá por falta de local, de instrução, de oportunidades, de ar.

Pois bem, passar por ali nas segundas era aquela situação de praxe: Um assaltado lá, outro assaltando aqui, alguns com isqueiros numa rodinha perto dos triângulos, outros com roupa fundida ao corpo, fundida aos cabelos (gigantescos), fundida aos pedaços de jornal e papelão. Homens-de-lata nos cachimbos e espantalhos cabeludos.
Ia além da questão da piedade ou filosofia, Marx ou Smith até explicariam, mas não matariam a fome, papel esquenta o corpo e a alma, estômago é mais direto, menos utópico. Dos da rodinha, aliás, Nietzsche daria risada num eterno “eu já sabia”.
O céu estrelado, as maiores enganações do universo, aquela lembrança das pessoas que pareciam esse céu, radiantes e inacessíveis – até para eles mesmos.
Sirenes soavam a clara aproximação do despejador, transferidor, silenciador, pacificador, higienizador ou um outro nome qualquer para o que dava um jeito nos qualqueres.
Deus e o diabo debaixo da construção.

Corpo é encontrado em corpo

_Como assim?
_Eu leio para você.

“Assassino excêntrico que atende pela alcunha de Marcelo Travessa Gomes foi preso neste domingo (28), após ter assumido a autoria de 20 crimes e uma peça macabra, a qual ele denominava de ‘arte visceral’. O objeto era um tronco composto por vinte camadas de tecidos humanos (das vítimas).
Segundo a polícia, o assassino ligou pedindo a própria prisão justificando que ‘ninguém na minha vizinhança, digo, neste país, apreciou ou terá intelecto mínimo para compreender a mensagem vibrante, revolucionária, que eu preciso transmitir! Portanto, prefiro morrer no ostracismo, ou quase’.
Ele sempre executava garotas com 15 anos de 1,6m e com 56 quilos, todas as moças atacadas estudavam no mesmo colégio. O caso gerou enorme comoção na escola, que fechou por 7 dias, num luto simbólico.”

_Entendeu?
_É por isso que a gente tá de férias essa semana.
_É.
_Pra isso elas serviram ao menos.
_Você é um monstro!
_Eu não matei ninguém. E o tronco não foi tão caro assim, ficou até belo como totem no meu quintal.

Degraus

_Você é como andar de escada rolante pela primeira vez.
_Você se lembra?
_Eu não nasci aqui. Só fui ao shopping com 15 anos.
_Ah. Continue. Por que eu sou?
_Primeiramente o choque com aquela nova realidade: Uma nova forma de subir escadas! Depois, é ter a percepção alterada e sentir que é hora de testar. Então vem a ansiedade, aquele lance compulsivo de degrais…
_Degraus.
_Degraus! Degraus automáticos descendo (ou subindo) numa fúria engrenar! Seu pé parece limitado demais para tanta sofisticação. Até que você faz como fez a vida toda, um pé, outro pé.
_Que bonito.
_Não acabou! É, você pensa que acabou, aquela estabilidade sem fim, a segurança da imobilidade, tudo é curto e você sabe que vai acabar! Os últimos, os últimos…
_Degraus.
_Isso! Degraus! Eles vão aparecendo, ou melhor, sumindo, tudo vai sendo engolido pela fria terra e se nenhuma atitude for tomada, esse será seu destino!
_Ei. Você quer dizer então…
_Não terminei. Então, após acumular toda energia vital, você pula! E agradece por estar vivo. O fim!
_Então é o fim?
_Você foi minha escada rolante.

O Realizador De Sonhos.

Eu prometi que depois de ganhar na loteria seria um desses. Iria deixar feliz quem queria ser feliz (ou não).

O primeiro sonho que pediram-me foi uma piscina de chocolate, a pessoa nadou feliz em meio ao doce, descobri que uns meses depois a diabetes da moça atacou; ela escreveu em seu testamento que morreria feliz ao pé de um pé de cacau.
O segundo sonho foi de um desses jovens sem vida social de classe média. Dei o computador, o smartphone e os melhores video-games do mundo. Ele gostou, jogou; soube que esses dias aí ele morreu num ataque de ansiedade, o que ele deixou pra posteridade foi uma pancada de saves e tarefas incompletas.
O terceiro sonho foi de um velho, queria todas as mulheres do mundo pra ele, eu paguei as melhores do país e ele morreu de infarto, mais um.
O quarto sonho foi problemático, o desejo era de um professor aposentado, desde criança ele sonhava em jogar uma bomba atômica nos estados unidos, eu não realizei o ato, dei pra ele o dinheiro e os contatos necessários. Ele até conseguiu uma bomba, só que essa caiu na Cidade do México, matando alguns texanos de êxtase.
O quinto sonho foi o de um playboy que queria promover a maior festa do ano, ele promoveu e teve seu momento de harém, soube esses dias que ele estava depressivo e pulou do topo do próprio ego. Partiu.
O sexto sonho era o meu, de realizar sonhos. Dele eu só posso concluir que de sonhos não vivo mais, só de esmolas.

Lugarejo

2 mil habitantes, todos com aquela vida besta, bestialmente e sortudamente despreocupados com a cotação do dólar ou do nome da moeda chinesa e se ela já estaria valendo mais que ouro.
_Ouro de tolo era coisa desses caixeiros viajantes.
O avô estava conversando com o neto da cidade grande-mas-que-não-sabe-das-coisas-da-vida sobre a tradição local ou os acontecimentos mais marcantes.

“Eram dois homens de bem
Um deles um nome tem
O outro era calado
Depois foi assassinado

João José, um homem mal
Foi quem matou seu igual
Um Abel outro Caim
Eram dois irmãos, sim, sim

O que corrompeu o outro
Foi o feitiço do boto
Que escolheu um corpo pra
Nele poder se transformar

E assim naquele instante
Nasceu o primeiro habitante
Da nossa cidade de fé
Boto D’água de José”

_Boto D’água de José. Daí que saiu o nome, meu neto.
O velho e todos os velhos dali sabiam a cantiga de cor. O rio também sabia, os moradores sabiam que o rio sabia e por isso o canto era invocação de peixes, sinônimo de fartura na janta.
Tinha igreja, mercadinho, puteiro, coisa dessas cidades paradas no tempo, concorda?
Talvez essa imobilidade física, desse tempo que só se notava nas rugas dos moradores ou no teto despedaçado do altar, em que batizados não ocorriam mais, fosse o motivo da capital ter tanta, mas tanta inveja da cidadezinha, que capturava todos os nascidos, deixando pais felizes porque seu filho foi ser doutor, mas tristes porque sabiam que o laço de amor aumentava o comprimento e assim a saudade e o sofrimento.
Toda energia mística, todo paganismo, abasteciam a cidade – como viu-se no início – de lendas e o que o pessoal de humanas chama de cultura.
_Meu neto, o seu véio só tem um pedido pra você.
_O que, vô?
O menino percebeu que o tom de fala do pai do seu pai mudou, por isso largou o DS e olhou fundo naqueles olhos fundos de fundas emoções, o garoto – como qualquer criança 2.0 (ou seria 2.1?) – conseguia fazer tudo ao mesmo tempo (tortamente, mas o importante é fazer, não é?), contudo sabia que o membro da terceira (“Melhor? Duvido!” – o neto pensou com o mundo) idade ao lado gostava de atenção.
Nascemos e morremos com carência transbordante. Quando ela volta a níveis aceitáveis (em tese, na vida adulta) o que vemos é aquele húmus de ironia nas margens do rio da alma.
“Atenção concedida, senhor.”
_Que foi vô?
_Promete que não vai deixar tudo isso aqui sumir, morrer, com a gente?
_Prometo. “Posto tudo quanto é foto daqui no facebook!”
Olhos marejados. Almas umedecidas.

¾ de Viúva Negra.

_Ele só repetia que eu era uma vagabunda e não me ouvia! Eu queria explicar que estava claro que tudo não passou de um engano, de uma infelicidade! Porém ele só me agredia, o que por consequência o machucava também. Por isso eu tive de fazer o que fiz.
_Calúnia! Ela é quem atacou gratuitamente! Não queria ouvir a verdade sobre seus atos! Sempre fui um marido exemplar, e o que recebi por isso? Um par de chifres! Era a minha hora de tirar satisfação, de colocar tudo sobre a mesa. Ela não aguentou a pressão e agora eu perdi minha vida!
_É sua cegueira que provocou tudo!
_Cale a boca, cadela!
_Senhores, contenham-se! Isto é um ambiente sério e eu não pouparei minhas energias para mandar ambos para a prisão se necessário.

Os gritos cessaram. Respirações profundas.
Discurso retomado.

_Eu reagi. Estava me defendendo. Qual o nome disso mesmo? Legítima defesa! É! Foi em legítima defesa! Eu sabia, ou melhor, nós sabíamos que se eu não tivesse tomado uma postura, estaria a sete palmos do chão.
_Não há desculpa para o que você fez. Se era pra agir em própria defesa, por que atacar um lugar tão específico? (O homem aponta para o lugar em que o golpe foi desferido). Você me traiu e acabou com a minha vida. O mínimo que eu mereço agora é vingança moral.
_Eu não traí! Quando será que você vai entender que isso foi um enorme desencontro?
_Faça-me o favor! Sua explicação de “Eu estava amarrando os cadarços dele” é tão ridícula que até eu bolaria uma melhor! Algo como “costurando a calça” ou “limpando uma sujeira”.
_E você acreditaria?
_Não.
_Então por que…
_Pelo amor de deus! Que moleque de 19 anos não sabe amarrar os cadarços? Eu conheço a família daquele desgraçado! Sei que ele não tem nenhum tipo de problema mental!
_Quantas vezes eu vou ter que repetir que ele não alcançava os pés, eu estava sentada perto deles e assim era mais fácil se eu ajudasse!
_E AQUELA COISA BRANCA NOS SEUS LÁBIOS?
_ERA REQUEIJÃO, SEU IDIOTA!
_Senhores! É a última advertência que eu lhes dou! Pelo visto vou ter que encaminhar o caso de vocês para um tribunal, afinal pelo que se viu aqui, não há acordo entre as partes.
_ESSA VADIA ME PAGA!
Ele mergulhou em direção ao pescoço da mulher, conseguiu deixá-la sem ar por um certo tempo, ela ficava bonita roxa; até que os policiais vieram, levaram-no para uma cela lotada em que o cara ficou ouvindo sua história repetidamente:

“Aquele cara? Coitado! A mulher chifrou ele, os dois fingiram que tava tudo bem, voltaram pra casa, no meio do rala e rola – aquele que acontece depois da briga – ele avançou no pescoço dela!” “E ela?” “Cortou o pau dele! Numa só!”