Do alto da torre era possível ver toda a cidade, principalmente de noite, o dia era muito claro, e como era a torre mais alta do mundo a visão se resumia em quase branco, mas de noite, ah, a noite, a noite era a vida humana fervendo em baixo da minha vista, os pontos se alternando entre ligado e desligado, enquanto eu podia ver a linha do nascer do sol de um lado enquanto o rosado do pôr abençoava o outro; a torre era invisível para maioria das pessoas, o que aumentava sua candura, na verdade era invisível de fato, a torre era eu e eu a torre, fixo, imóvel, apenas espectador do meu próprio desenvolvimento, ilhado dos problemas. Fui crescendo, achei que ia morrer asfixiado, mas não, o sonho era plácido e outro porto-seguro, estava tudo bem, mesmo eu não tendo controle de nada. Um sonho que precisava ser transmitido em outras mentes e neste sonho eu era um transmissor muito feliz da minha mensagem, era como se eu fosse o distribuidor de humor das cidades.
Dias chuvosos de mal humor e ensolarados sorridentes, poderia prosseguir esta rotina por um dia, uma vida, uma noite.
Acordei com uma nevasca.
Arquivo mensal: fevereiro 2013
Meu Fragmento, Seu Fragmento
O portão estava enferrujado, notei hoje ao chegar, o fato chocou-se com uma memória da peça de metal, uma longa memória. A conversa não seria muito amistosa, se eu fosse recebido com pedradas compreenderia por sinal, quem gostaria de ver um velho enrugado sem uma das orelhas em plena luz do dia?
–
Eu sabia que ele estava chegando, arrumei os móveis para o evento, arrumei na formação antiga, que sempre estive acostumada, a casa não era mais a mesma – e como seria depois de tudo que havia se passado? Porém era o que eu poderia oferecer, o que sinceramente era muito para ele.
–
Algumas décadas para a esquerda na linha do tempo, quando a rua local era trafegada por mais pessoas e animais do que automóveis, quando aquela casa era o modelo a ser copiado por metade da cidade, quando não ter filhos era uma ideia ousada e nova, uma ofensa para muitos; morava ali um casal, recém-casado, recém-conviventes.
O que se ouvia sobre eles? Comentários cheios de ódio e amor – o que no fim é praticamente a mesma coisa. Que eram o casal da televisão, dos filmes mais belos do país. E o cinema era coisa de gente moderna, ah, a modernidade.
Ambos possuíam um senso de individualidade bastante marcante, mas mesmo assim resolveram abrir a vida de maneira praticamente irreversível, tentaram experimentar o que dizem ser amor ou ilusão.
Ilusão.
–
Meus dedos estalaram no portão, inutilmente, vi que havia uma campainha tão destruída quanto o portão, toquei-a. O toque era um ruído levemente irritante, não uma nota doce ou convidativa, parecia uma descarga elétrica em forma de som. Um repelente.
Agora estalava minha coluna, a espera eu compensava brincando com meus estalos, era uma diversão gratuita afinal, faziam o tempo passar muito melhor que aqueles aparelhos eletrônicos em que os jovens vivem grudados.
–
É ele. Vou abrir o portão. Não, não vou. Como não? Era por ele que eu estava esperando e fiz tudo que fiz. Não seja infantil! Não tenho mais tempo na minha vida para perder assim, como semi-vontades e pensamentos tão levianos, meu tempo é curto, qualquer dia posso estar estendida no chão dessa varanda, sem vida. Vou abrir o portão agora.
O portão foi lentamente puxado.
–
Tiveram o mês do coelho, com pouca discussão e muita ação carnal, foi tão rápido quanto o bicho sugerido enfim. E veio a primeira etapa verdadeira, quando cada um começou a desenvolver os vícios, ela tornou-se uma mulher que ridicularizava quando jovem, uma limpadora compulsiva, e ele tornou-se a imagem que condenava no seu falecido pai: Um marido ausente, com milhares de amantes, que não era homem o suficiente para encarar a verdade e que vivia de fuga em fuga, de cama em cama, de emprego em emprego.
Da fase do vício, do escapismo, ou nasceria uma crise ou o fim derradeiro e violento surgiria. Veio o momento.
Antes de tal acontecer a língua da população e da imprensa marrom era a faca da vez, alguns diziam que ela estava enlouquecendo e largando a carreira, o que acusavam-no também, porém julgaram-no como um viciado e fraco, que seria fadado as migalhas e mendigagem.
A casa continuava linda, as pessoas continuavam a metabolizar.
E a noite do momento viria.
Veio.
–
Ela ainda era a mesma. Sim, o tempo havia esculpido sua habitual passagem em seu corpo, mas era quem eu comecei com uma das empreitadas mais infelizes, senão a mais, da minha vida. O pior foi perceber que eu estava paralisado diante sua presença, ela com certeza despejaria uma cascata de indignação, ou de balas, que venham, ou mereço pior. Só me pergunto o que eu vim mesmo fazer aqui, não estava tudo melhor só? No meu apartamento esquecido?
–
É ele mesmo. Eu não acredito, e não acredito no que eu consigo ainda sentir por esse objeto podre. E isso está me fazendo mal, é como se os meus sentimentos não tivessem um décimo de idade das minhas rugas, por favor, poupem-me disso, sou uma senhora de respeito, não preciso dar satisfação para um traste, alguém que só me fez sofrer e deveria ter morrido há anos. O que ele está fazendo aqui? Depois de tudo?
–
_Bêbado e fedendo prostíbulo de novo? Eu não mereço isso.
_Vai ficar preocupada com minha limpeza, de novo?
_Se você soubesse o real significado de preocupação já teria saído daqui!
_Teria saído é dese casamento!
_Ora, você acha que ele ainda existe?
_Se não existe por que você ainda finge tão bem diante das câmeras?
_Eu não finjo.
_Finge sim, bem demais até.
_Asqueroso!
_Ora, não me venha com esse tom de voz!
_Você tem que me respeitar! Não sou uma dessas inhas!
_Vou te ensinar o respeito real…
Ele iria tirar o cinto, agindo por reflexo ela correu até cozinha para pegar uma faca, ele tentou correr atrás da moça até ser atingido pela mesma.
_MINHA ORELHA!
_Vá embora daqui, AGORA!
_ESSA CASA É MINHA!
No meio tempo a vizinhança havia acumulado no portão, tal foi derrubado por pessoas que ao mesmo tempo iriam ajudar enquanto sorviam da desgraça alheia.
Ele foi preso, ela ficou sozinha.
–
_Eu vim buscar minha orelha. Como falei que um dia faria. Só quero minha orelha de volta.
_Aqui.
Estava guardada numa caixa de charutos, tão velha quanto o pedaço de cartilagem.
–
Lembraram da utilidade do dia.
#69
Desespero
não espero mais
nem aspirei
só respirei e assim tudo.
#68
Um sorriso azulado em olhos amarelados.
#67
Batalha naval na nave de batalha
– C7, T12, L5,
quebrei a sustentação.
#66
_Isso aqui vai fazer tu viajar como nunca.
_Um livro? Obrigado.
_Não velho, abra na página 420.
_Que droga, mano.
#65
As opções eram limitadas
a limitação era libertadora.
Sentença Digitada
Este dedo é o fura-bolo.
Pensava alto enquanto soterrava o indicador em glacê fresco, lambia e sorvia todo o açúcar do bolo, a festa estava um tédio mesmo, será que há chocolate no meio do bolo? Sim! E estava no ponto perfeito, é o dedo mais divertido este, com certeza.
Este é o dedo indicador.
Já não havia mais bolos para perfurar, apenas pessoas e culpas, era uma arma, já fizera um amiguinho de colégio chorar com uma denúncia.
O dedo em riste.
Passado o tempo, era um dedo com terno agora, demitia pessoas e chamava garçons, era com este quirodáctilo que tampava a visão ideal, da vida que de fato deveria ter tido.
O dedo no botão, na tecla, na tela.
Da casa, do carro, da esposa, todos comandados, nenhum sentido ou interação além-plástica.
O dedo que tentaria puxar o gatilho; impedindo por um dedo minúsculo:
_Não faça isso, pai.
Poderia amputar sem sentir falta.
A Morna Hora
A película da noite foi sendo aspirada aos poucos, perdendo a cor, a intensidade do céu e o peso, o cinza dava lugar ao azul claro, ou seria branco? As estrelas iam sumindo até chegar o ponto do meio-termo: Noite-dia ou Dia-noite.
Acordava neste horário.
Algumas fagulhas laranjas cintilavam na massa urbana, os caixotes com seus quadrados trocavam o preto e branco pela coloração original dos edifícios, não que a maioria fugisse do cinza, pela contrário, contudo era necessário pontuar que as exceções cumpriam o papel com nobreza, sem eficiência.
Ainda havia lua no céu, e sol rasgando o horizonte também, era hora da aquarela dos tons quentes, cohabitar com tons da noite, e o céu era a tela, dos aviões barulhentos, pássaros raros, sacolas voando, lágrimas que se confundiam com a chuva que começava a completar o cenário.
As pernas corriam da água, ou para retirar coisas dela – a roupa, o trabalho, o computador, poucos corriam em sua busca – as crianças que acordavam sem se importar com escola ou não.
Atormentada tal hora, as profissões noturnas cruzavam-se com as diárias, hora de dormir para certas formas de existência, hora de acordar para co-habitações. Risos, declarações, atropelamentos, nascimentos, números.
Assim seguia com a impressão de que hoje tal panorama havia congelado-se nos olhares e conclusões de outros e, enfim
Acabou.