O escolhido – terceira parte

Ocupar a posição de chefe da cavalaria 2 é o sonho de todo habitante, cresci com histórias, lendo, ouvindo canções, vendo filmes e outras centenas de mídias sobre como é gratificante servir para a manutenção do bem social, é solitário viver na última comunidade humana, porém todos sabemos que quem sai daqui morre asfixiado pelo enxofre bruto ou é devorado pelas dezenas de mutações de animais que surgiram. Como qualquer habitante, também cresci sabendo o quão corajosos são os soldados que residem nos campos subterrâneos que nos enviam alimento, enxofre para produzir Platrium e energia elétrica, nunca vi ou soube de alguém que foi para lá, mas eles existem e estamos vivos graças à eles.
Penso se a civilização humana era mais harmoniosa que a nossa quando não precisava de tantos artifícios e não possuía tanta tecnologia para manter sua sobrevivência, acho que não, antigamente o nível intelectual era muito baixo, foi questão de seleção mesmo, que nosso povo, com nossa cultura arrojada e evoluída – desde língua até etiqueta – se sobressaísse em meio ao caos. Sabemos que alguns séculos foram o que definiram o futuro da espécie humana, que apesar de todos esforços de conciliação da nossa nação que negociava sem parar, a fúria dos povos inferiores falou mais alto, eles se destruíram e nosso povo fez o que sempre fez melhor: Ser.

Não há o que reclamar de viver na nossa constelação, sabemos que é apenas uma redoma de proporções monstruosas, mas todos chamamos de constelação, o índice de criminalidade é zero, nossa educação é exemplar e todos temos bom senso dos picos populacionais, em que gerações reduzem o crescimento vegetativo e outras gerações aumentam. É realmente uma pena ter perdido todo o tesouro histórico cultural da humanidade, porém não podíamos zelar tudo e todos que existiam, temos várias bibliotecas arrojadas em que livros eletrônicos de Platrium exibem em seus potentes mostradores milhões de pixels de Platrium. Dizem que até a nossa humanidade se instalar usavam algo como papel, que vinha de seres vivos chamados de.. árvores, não entendo direito isso, como um ser vivo pode existir sem andar? E não consigo imaginar alguém cortando o braço pra fazer uma espécie de armazenador de registros e cultura.

Todo alimento que precisamos vem pronto, tubulações instaladas em edifícios trazem tudo, comer é simples e as calorias por pessoas são reguladas por chips que, pelo que aprendemos, surgiram numa simbiose, como as mitocôndrias, e estão conosco, contando calorias e avisando quando o corpo não precisa de mais. Química é a nossa ciência mais avançada, séries de elementos derivados de Platrium e alguns que descobrimos por aqui, porém não usamos mais, o elemento mais intrigante é o enxofre, além de ser o mais estudado – para cada vez ficar mais eficiente na produção de Platrium – é o mais distinto de todos. Respiramos enxofre fino e refinado, vivemos do enxofre, ele é tudo para nós e mesmo assim continua tão difícil de ser estudado.

Tenho uma família de novos filhos, todos estão estudando e aprendendo o quanto são privilegiados em viver no apogeu da civilazação humana. Eu mantenho meus estudos avançados sobre Platrium, quanto mais você progride de cargo na cavalaria, mais tem que aprender sobre Platrium e o que quase ninguém sabe, apenas nós, é que o Platrium mais nobre é usado no chão, imaginem vocês, no chão da constelação, o Platrium nesta liga é intransponível e irreversível, independente de aplicar enxofre, ou não. Diziam que nossos cargos iriam falir, afinal, para que força repressiva em um lugar em que todos possuem a mais profunda compreensão dos fatos e são tão evoluídos? Por isso ao passar de gerações – quem pegou esse processo de transição acontecendo sofreu – as tropas e os cientistas fundiram cargos de modo que apenas usamos a denominação “soldado” para aquele que ocupa uma posição privilegiada quanto ao governo.

Governo esse que não existe propriamente, vivemos de modo comunitário e exemplar, o primeiro governante da nação, foi o único, ele definiu juntamente com os ministros iniciais como deveriam ser as regras de sobrevivência e continuação da espécie, em acordo, todos aceitaram e reformularam os pontos que precisavam ser modificados, assim, a civilização nascia com um forte programa educacional, o bom senso vigora em todos nós, desde o controle de bebês geneticamente defeituosos até a eliminação de sujeitos que não entendam o que significa pertencer ao ápice. Tudo muito normal, tudo muito aceito.

Até ontem, tudo isso era como eu escrevi.

Pessoas da mais alta cúpula social nos chamaram hoje – eu e mais três soldados – para uma missão extraordiária, saímos da cúpula para uma pequena central instalada próximo ao solo, não fazia ideia de que existiam instalações dos habitantes com exceção da cúpula e das centrais subterrâneas, apenas fomos e seguimos como ordenaram. Disseram que era uma missão confidencial, e o bom senso iria vigorar na situação, no caminho disseram que fomos escolhidos pela nossa habilidade em manter a ordem.
Atravessamos pavilhões através de elevadores, ainda era tudo de Platrium.
Porém o tal forte não existia. Estávamos fora da cúpula, no solo.
Respirando enxofre bruto e no meio de humanos.
Humanos que não eram habitantes. O choque que nós soldados sofremos foi forte demais.
Um dos soldados começou a ter espamos contínuos, e um dos integrantes da alta cúpula o eliminou apertando um bip.
_Soldados, apenas recolham os corpos que apontarmos e sigam-nos.
_Mas senhor, poderia antes explicar o que está acontece..
Outro bip. Outra eliminação.
E sobrou o trabalho frio para mim e outro soldado.
Levamos o corpos para próximo de uma caverna.

O superior vociferou rápido:
_Não questionem, caso contrário o bip irá ativar a função terminal do chip de vocês, e bem, vocês sabem o fim que terão. Queremos que tentem reviver o máximo de corpos possíveis. E não deixe-os mover uma polegada sequer sem que antes vocês tenham o controle, aqui, sua armas de Platrium, basta apontar para o cérebro deles para que estes entrem em colapso e parem de funcionar. Vou subir para trazer um arsenal de isolamento da área para que possamos executar o plano de escravização e utilização deles.

E enquanto eu tentava reanimar os corpos com socos, chutes, choques, minha cabeça explodia com dezenas de informações, como poderia haver outros humanos? De onde eles vieram? Será que trabalham no subterrâneo? Então porque essas vestimentas rudes e primitivas e nenhum platrium? O primeiro a ser acordado foi um que portava utensílios e mochila de Platrium, o único, ele ficou imóvel e trêmulo, de certo sabia ou previa que qualquer reação poderia significar o fim. Entretanto o segundo a reanimar apresentou uma reação abrupta e disparou a falar:

_Vocês devem parar com isso! Não tem o direito de reconstruirem tudo ao molde de vocês! Ainda existem mais humanos além de mim! Pessoas com família inteiras!

E ao disparar tais informações, o que já estava imóvel se levantou, talvez para avisar o amigo dele do perigo iminente no discurso.

Era tarde.

O soldado que estava realizando a grotesca operação assassinou o humano, e tentou executar o outro também, porém não conseguiu por um motivo.
Eu o matei. Ceifei a vida de um semelhante.

_Não se mova! Pelo visto você conhecia esses humanos que eu nunca vi, sabe a história, conte-me a sua verdade e então você pode permanecer vivo.
E com essa fala eu ativei o gatilho argumentativo do estranho, uma avalanche arrebatadora de informações inundou minha mente.

Eu não acredito.
Minha civilização não era a única, fomos todos enganados.

O escolhido – segunda parte

-Dia quatrocentos e cinco.

Resolvemos perambular pelo continente para encontrar mais pessoas, precisamos nos unir para reverter esse quadro. O nosso alimento já está acabando e as esperanças quase nulas; vovô me contava em histórias antes dele morrer que seus antepassados tomavam banho diariamente, como seria incrível ter esse privilégio, a água está mais escassa que nunca, vovô descrevia em suas histórias mananciais gigantescos, com cachoeiras enormes, não consigo imaginar direito tudo isso, é tão fantasioso. Talvez seja pela realidade tão crua, tão diferente que vivemos, esta outra história eu sei desde pequeno e meu avô me conta em primeira pessoa:

“Tudo começou quando todos os continentes se centralizaram e polarizaram em dois, foi tudo culpa dos dois países antagônicos que cresciam sem parar e intimidaram as outras nações próximas a ponto de literalmente fagocitá-las. A pressão se sentia no ar, a economia estava muito instável, a desigualdade econômica só aumentava e a guerra explodiu. As mortes atingiram brutalmente a escala de bilhões, afinal, todas as tecnologias que ficaram durante anos sendo desenvolvidas debaixo dos panos estavam prontas para serem testadas. As bombas estavam mais ferozes do que nunca, começaram dizimando países pequenos, o poderio era tanto que em um ano o planeta se tornara uma coleção de desertos. A Terra tinha uma população de cerca de dez milhões de pessoas que residiam apenas nos países que guerreavam, o trunfo foi o Platrium, o país do oeste havia planejado tudo: todas as bombas e dizimadoras de nações que ele usara transformou millhões de quilômetros quadrados em depósitos crescentes de enxofre, tudo pronto para fazer o Platrium, e esse foi exaustivamente fabricado. O elemento foi culminante na vitória do país do oeste que construiu toda uma nova civilização baseada no Platrium, incluindo armas, com uma defesa incrível e um ataque renovado foi questão de tempo até o fim da guerra.
Com o fim do conflito décadas já haviam se passado e um comparativo com tempos anteriores revelara que essa era a última guerra da antiga cultura humana, o país do oeste era o único existente, possuía oficialmente cerca de dez mil pessoas, claro que isso eram dados deles, os boatos ainda corriam melhor que a antiga internet, que agora havia se reduzido aos domínios da comunidade do oeste. Sei que nasci em uma das duas comunidades humanas que não são oficialmente “existentes” até porque todo o controle intelectual fica no país do oeste, na cúpula que eles construiram com o tempo, a gente chama aquilo de insetário, como código e forma de desprezo também, ser da parte do que sobrou dos países secundários, que nada tinham a ver com a guerra, é algo complicado, vivemos de emboscada em emboscada, nômades eternos esperando o próximo atentado ao grupo ou um impossível oásis que gerações dizem que existe. Os sobreviventes do país do leste também existem, mesmo estando aculturados e todos já falando o mesmo idioma – a péssima e horrivelmente fluída língua do oeste – sabemos quem é quem, não há registro de passagem do nosso grupo por lá, queremos ir para encontrar ajuda e uma possível oposição para com o oeste.”

A história dele explicava muito do que eu devia entender e aceitar, nossa rotina é simples, basta sobreviver e andar, encontramos periodicamente pequenas porções de terra em que há restos de cidades, quase nada é aproveitável, já se passou tanto tempo, quando vamos parar para dormir eu costumo ser o sentinela, não durmo bem há anos mesmo, esse foi o motivo de começar a relatar aqui nesse caderno, não é mesmo?

-Dia quinhentos e dois.

Hoje encontramos gente morta, cadáveres recentes! Todos bem vestidos e carregavam água e comida, depois de analisarmos e pegarmos o que era útil sentamos para analisar o porquê dos corpos ali, foi quando ouvimos:

_Não sabia que esses desgraçados ficam fantasiados! Resolveram procurar mais enxofre onde não tem? Mande esse recado para eles.

Ele ia atirar.
Eu assumi minha responsabilidade como chefe do grupo e me joguei na frente gritando:

_Somos os nômades. Parem!
_Vocês existem!

Depois de acalmarem os ânimos e esclarecidos os fatos descobrimos: havia um enorme contigente de população do leste que estava vivo, eles construiram instalações subterrâneas de forma exemplar, eles tinham eletricidade! Só conhecia isso através das histórias do meu avô! Bem, quanto a banhos e afins a coisa era regulada, mas existia! Nosso grupo de nômades se estabeleceu lá e eu conversei com o líder do grupo deles, eles não conseguiram desenvolver nada parecido com o Platrium porém antes mesmo da guerra já havia um país no subterrâneo, algo de proporções que eu nunca imaginei, nunca imaginamos, eles mantém isso isolado de forma que não são detectados e afetados por nenhum tipo de interferência externa. Claro que eu perguntei o porquê deles não irem à combate, afinal eles tinham tudo e inclusive armamentos.
Me disseram que era por medo.
Medo.
É claro que eu passei o recado pro nosso grupo, acrescentando um “fiquem juntos”, os residentes do subterrâneo leste estavam sendo simpáticos demais conosco.
E pela primeira vez conseguimos dormir, em camas!
Várias pessoas choraram com o conforto, era muito bom pra ser real, todos os relatos de séculos, não eram lendas!

-Dia setecentos e quarenta e nove.

Esses registros estão ficando cada vez mais importantes, ainda aposto que eles servirão pra documentar uma nova era. Falando de revolução, já estamos prontos para o combinado: 95% dos nômades vai viajar em direção ao país do oeste e apenas uns quinze ou dezesseis do país do leste vão conosco, está bem explicado o motivo de tratarem a gente de forma tão “fortificante”, enfim, não estamos em condições de exigir, não é? Eles pelo menos vão fornecer transporte aquático, terrestre e várias armas, as deles são simples também, no máximo, alguns lasers letais, fora isso são quase tão antiquadas quanto as nossas que ainda usam pólvora. A produção de alimentos deles continua exemplar, utilizando lençóis freáticos e luz artifical eles conseguiram hectares e hectares produtivos, tudo muito impressionante.
Dizem que um registro sério não deve conter fragmentos emocionais, que se dane, eu ia construir uma família com a Yara, porém agora que tudo parecia se encaixar, temos isso, eu sei, é uma reclamação tola, sei que a paz só será alcançada quando houver igualdade, mas ela está esperando um filho meu! E por isso mesmo ela pertece aos 5% dos nômades que vão esperar. Não sabemos se vamos iniciar a primeira guerra do novo planeta Terra, ou se vamos ser mais um episódio que não foi gravado na história, o que sobra é a esperança para não cometermos nenhuma burrice ou suicídio.

Dia setecentos e noventa e nove.

Foram os cinquenta dias mais chocantes da minha vida. Não por morte ou sangue, mas pelo que vimos, vale relembrar: Nasci no meio dos nômades e cresci de fuga em fuga, apenas ouvindo histórias e convivendo com a nossa comunidade e os conflitos de convivência, em menos de um ano nós tivemos contato com o inimaginável povo do país do leste subterrâneo e por fim, chegamos no insetário. É incrível, não encontramos inimigos e estamos reunidos DEBAIXO da redoma, o único humano que encontramos foi um habitante, ele ao menos parece ser um dos habitantes, afinal não é do país do leste, nem do nosso grupo. Quando chegamos perto da fortaleza e rendemos o infeliz ele ficou parado como pedra, eu vi a expressão de terror dele e impedi que executassem-no sumariamente, ele poderia ser útil para nós.
É o que parecia, acabei de conversar com ele, o pseudo-habitante disse um papo muito estranho dizendo que ele era de outro planeta, que não sabia porque estava ali e que estava em busca da gente sem nem saber o porquê, eu expliquei que ele estava na Terra, ele não acreditou, ficou atônito, perguntou a data, disse que estávamos em 2850, ele paralisou, de novo. Eu perguntei o nome e sobrenome dele, ele procurou dentro de uma mochila estranha seus utensílios, todos diferentes, feitos de Platrium.
Foi o suficiente para ele disparar a falar, e muito, informações que encaixaram na nossa cabeça. O país do leste não é o país do leste, é uma espécie de reservatório do oeste, queriam exterminar os nômades restantes, por isso a “gentileza”, só não entendemos o porquê dele estar ali.
Até ele tirar uma espécie de identificação.
Ele possuía o mesmo sobrenome que eu.
Ele era meu antepassad…

_Pronto, estão todos eliminados?
_Não, imbecil, precisamos de uma parte deles para trabalhar conosco.
_Vamos levar eles para o chefe agora?
_Vamos.

Cara Coralina.

Cara Coralina.

Peço sinceras, profundas, humildes, humilhadas, limpas, claras, enormes, temerosas, depressivas, arrependidas, quentes e abrangentes desculpas.
O que eu fiz foi sórdido, todos sabemos, porém foi pelo nosso bem.
Ok, não vou tentar me justificar, fica pior, não é?

Eu não tinha ideia de quão triste você ia olhar pra mim por isso, o tempo todo, o tempo todo, o tempo todo, eu agi em prol da nossa relação.
Não sabia que era um castelo de cartas.

Desculpe-me.

Todas as vezes que eu te chamei de arrogante, de vadia, de fácil. Era ciúmes, era medo de te perder, era possessivismo meu. Eu não sei escrever carta de desculpas, sei ao menos falar essa palavra.

E você sabe bem, sabe.
Como aquela vez em que fomos assistir o primeiro filme, o primeiro filme.
Me deixa ser enfático em paz.

EU SÓ QUERIA PAZ!
EU
EU
EU TE AMO
Desculpe…

Veja, isso são meus pedaços pelo chão Coralina, “ah, sempre dramático” você deve estar pensando, mas não, não sou mais. Não sou, estou num nível em que eu só sou com você.

O amor é clichê Coralina, não exija mais de mim do que eu posso dar.

Até porque você nunca deu nada, nada mesmo.

Olhe, acho que sou o único namorado (não consigo juntar e mais x com a palavra) que escreve uma carta de desculpas da forma mais egocêntrica possível. Não sou o único.

Por isso, me perdoe, Catarina.

_Ah, mas por que você não perdoou ele?
_Depois dele me trair? E DIZER QUE FOI PRO BEM DA NOSSA RELAÇÃO?
_Mas ele escreve tão bem!
_Não leu tudo, sua cretina, você é igual a Catarina.

O escolhido – primeira parte

Estava almoçando um rápido sanduíche, de 15 cm, dizem que não é o melhor almoço, tampouco o mais saudável, entretanto, eu estava com pressa e fome e não com vontade de cuidar da saúde.
Comi com pressa e bebi todo refrigerante de uma vez.
Coloquei a chave no carro e posicionei meu pé no acelerador.
_Pare.
Não fechei a janela, droga.
_Pare. Você é o escolhido.
_Quanto o senhor quer? O suficiente pra uma cesta básica serve?
_Venha comigo, agora.
O que esse senhor queria? Não fazia e nem faço ideia.
_Não, diga logo, estou atrasado.
_Saia do carro.
_Até mais.
_Agora.

Ok.

As coisas parecem fazer mais sentido quando se tem uma espingarda apontada pra sua cabeça.
_Isso não é uma espingarda, é uma chave de portal para outra galáxia, saia do carro agora caso contrário, iremos você, o carro e eu, na frente de todo mundo.
Qual seria o problema de entrar no jogo do velho? Quer saber, vamos ver onde isso vai dar, que se dane o atraso.
_Não precisa ameaçar.

Saí do carro e ele me mandou ir pra perto de um beco, isso já estava ficando estranho.
_Melhor ir pra um lugar mais movimentado, não acha?
E do nada o velho apontou pra minha cara e disparou.

Dito e feito, entrei numa espécie de vórtex afunilado e não sentia mais meu corpo como algo íntegro, era como se minhas moléculas começassem a funcionar independentemente, como se minha estrutura não fosse mais um organismo, muito estranha a sensação, sabia apenas que estava tudo muito rápido e girando com uma aceleração centrípeta e velocidade angular monstruosas.

Caí num chão duro, uma plataforma metálica, pessoas corriam de um lado para o outro sem notar, apenas desviando daquele objeto estranho no chão.
Era alto.
Muito alto.
Estávamos numa cúpula gigante, uma espécie de ilha flutuante no meio do espaço.

As roupas não eram padronizadas como eu imaginei que seriam, cada um vestia o que queria, não parecia ser algodão, e o mesmo material que estava nos bancos, construções, copos, tudo parecia ser do mesmo material, exceto o chão.
_Peguem-no!

Acho que eram policiais, não esperei pra ver e corri, e no meio da multidão eu só percebi que tinha parado quando desmaiei de novo.
Estava ficando chato já.
_Esperava um comportamento mais rápido de você.
_De novo você? Onde eu estou? O que você é afinal? E por que eu me sinto em um filme?

E a explicação veio:
_Você está em outro planeta, no mesmo universo de sempre, nosso planeta passou por uma severa guerra e toda a vida foi devastada, sobrando apenas uma única colônia de seres humanos, estes se eliminaram aos pouco e a colônia foi diminuindo até sobrar essa comunidade que temos aqui. Somos auto-sustentáveis, usamos e reciclamos em níveis próximos a 100% de eficiência.

_E por que tudo aqui parece ser feito do mesmo material?

_Platrium. Ele foi o estopim para guerra.

_Por que?

_Pelos motivos que você viu. Ele foi um elemento revolucionário, de fácil obtenção e manipulação, é flexível, leve, denso, pesado, resistente, quebradiço, depende apenas da densidade e posicionamento das moléculas, umas vez formado numa densidade e posicionamento X ele adere terminantemente a esse caractere, por isso podemos usar ele para tudo, tecidos, construções, chips e afins.

_Mas o que determina como o Platrium vai ser? Aliás, me explique mais sobre ele.

_O Platrium é obtido de uma sofisticada reação química, é uma espécie de combustão, porém usa qualquer elemento + enxofre. A quantidade de enxofre define o caracter que o Platrium vai assumir, assim, o essencial para o Platrium ser sustentável é o enxofre.

Enquanto ele falava mais nomes estranhos eu olhei a parede do cubículo em que eu estava, paredes cinzas e uma enorme tabela periódica na parede, tentei forçar as quase-falecidas memórias de ensino médio sobre química e me dei conta que não havia nenhum elemento ali em comum com os da Terra, além da estranha linguagem e símbolos, apenas um elemento era comum ao meu imaginário: O enxofre, o S e o nome em latim, como na Terra mesmo, coincidência esquisita.

_A guerra foi por causa da quantidade de enxofre então?

_Isso.

_Me fale mais.

_Não há tempo, só vou resumir o que você precisa saber e onde você precisa ir.

_E como eu posso confiar no que você diz?

_E você tem alternativa?

Me dei conta do quão absurda e perigosa estava a situação.

_O estoque inicial de enxofre proveu a maravilha do Platrium, as nações se dividiram, houve guerras homéricas pelo controle da produção do Platrium, quem não ia querer algo que não emite resíduos, é barato e versátil? Após a história que você conhece, apenas os mais ricos tiveram acesso ao que sobrou do planeta, a redoma, não é possível ver muito do planeta pela extrema escuridão lá fora, este é o lado pouco iluminado pelo nosso sol e extremamente frio, você deve recrutar o máximo de pessoas que você encontrar para iniciar a revolução e tornar o Platrium algo melhor distribuído e que promova a igualdade entre todos nós, você irá estampar uma ideologia. Agora tome, roupas, armas, suprimento.

_Tudo de Platrium?

_Isso.

_Mas o que vocês comem? Vocês são que tipo de seres afinal? Por que escolher a mim? Onde fica a saída? Quem eu devo ajudar? Quem é do nosso time?

É claro que o velho usou aquela irritante espingarda novamente e eu saí dali, sozinho de novo, agora estava numa espécie de caverna (conclui pela acústica do local quando eu bati minha cabeça no teto e reclamei de dor) MUITO fria.
Parei para pensar o quão importante era aquela situação, era hora de avaliar aquele planeta, as condições vigentes.
No meio da escuridão eu só consegui avaliar coisas simples, a gravidade não era tão discrepante da que meu corpo estava acostumado, o frio não era tão cruel – eu estava vivo, o ar era um pouco pesado, mas nada anormal, bem, pude concluir que eram de fato seres humanos, as condições de sobrevivência eram parecidas demais.

Chequei uma espécie de mochila que eu “ganhei de presente” na viagem em busca de, quem sabe, uma lanterna. Ah! Consegui, e ela ligou com o toque da minha mão. Como aquilo funcionava? Depois de entender onde eu estava quem sabe a hipótese de desmontar aquele equipamento não ficasse tão remota. Pra fora da caverna, vamos lá.

Eu estava embaixo da comunidade de humanos, comunidade porque não vi nenhum outro ser vivo, sequer plantas naquela redoma gigante. A visão de baixo era muito mais estranha. Ela emitia uma luz muito forte, que, porém, não atingia o solo, solo esse que era simples, compactado, eu estava como se estivesse em plena Terra, em versão modificada.
Milhares de cabos desciam da redoma que estava suspensa por uma gigantesca coluna, provavelmente de Platrium. Os cabos me fizeram pensar que tipo de coisa passava por ali, se era energia, alimento, ou mesmo ar.

E eu fiquei parado, contemplando e pensando sobre a minha situação até ouvir um grito:

_UM HABITANTE, ALI!
Mais um desmaio, que saco.