Caixa De Luz

Não havia arco-íris no céu daquela cidade cinza, o menino ficava resignado a observar objetos que, para ele, guardavam pedaços das cores que se perderam nas cidades grandes. Ele consultava a caixa das luzes toda vez que sentia que era necessário. Certa vez quando sua irmã voltou para casa com olhos roxos tudo estava ficando mais escuro, todo mundo começou a chorar, só restou correr para o quarto, ligar a lâmpada e pegar o primeiro CD para ficar refletindo contra a iluminação caseira, as cores curariam.
Ou como quando ele percebeu que seu melhor amigo não voltaria mais para vê-lo, ligou a primeira torneira e começou a jogar água pro céu ensolarado de uma tarde de fevereiro, cada pingo ia decompondo a luz e a dor. Não era solucionar, era anestesiar.

Crescendo ele descobriria que a vida consistia em longas séries de dores e anestesias em suas mais variadas formas.

Uma pedra de mentira, de plástico transparente, era a mais usada para momentos leves, algum tropeço ou machucado, não gostava de remédios, preferia os seus; certo dia os valores quase se perderam, a caixa foi aberta violentamente, em proporção a dor do momento: sua irmã foi entregue em casa, já sem vida, os mais soturnos tons sujos a roubaram dele, não adiantava, nenhuma cor a traria de volta ou faria a dor passar, a caixa terminou por cair no lixo e quase se perder, não fosse a ajuda de uma senhora que conhecia os hábitos do garoto, e admirava na mesma medida em que sentia pena, ela pegou o objeto e recolheu com carinho, sabendo que o momento exigiria mais do que um punhado de cores.

Era como se tivessem roubado sua visão. Acontece que ao voltar a enxergar o modo de absorver a luz mudara, não precisava mais da caixinha, deu de presente para outra criança, que continuaria o ciclo.

Sonhos Lúcidos – 7

Eu estava morrendo afogado.
Era um mar de mercúrio.
A morte prateada não era um sonho dourado.
Consegui contemplar meus pulmões entupindo-se de metal, logo estaria expulsando até pelos olhos.
E solidificou-se, agora era opaco.
Cimento?
Não conseguiria movimentar nenhum membro, mas estava vivo, dei-me conta que era mais um sonho, restava investigar o porquê. Será que meus pensamentos moldariam o cenário? Não era uma ideia nova.
Fui ficando frustrado, séculos passavam e eu lá, lento e congelado. A ira brotou.
E tudo era lava. Para variar eu continuava bem.
Chegou o momento em que não ofereci resistência, fluí com o rio de fogo, acordando em seguida.

Estreita Decisão

_Não vou cruzar a ponte.
_Por que não?
_As bases estão rachadas, vibrando como bambu, só que sem a elasticidade.
_Mas é necessário atravessar. Você não tem outra opção.
_Tenho sim. Ó. Bato o pé no chão e me finco aqui.
_Vai morrer de fome.
_Tenho alimento suficiente.
_E quando acabar?
_Eu vou pro outro lado.
_A ponte estará mais danificada ainda. Contradição.
_Não preciso ter esta preocupação agora.
_Vai ficar só.
_Menos gastos, melhor.
_Mais loucura, pior.
_Não necessariamente.
_Enquanto você continua com as negativas eu vou atravessar.
_Você vai morrer!
_Como é que você sabe?
_Eu…
_É. Não sabe. Olha só, um pé, outro pé, e assim eu continuo.
_Então vá.
_Vai ficar sozinho aí?
_Fale mais alto! Não te ouço!
_VAI FICAR AÍ?
_Hein?
_O SEU LADO ESTÁ DESABANDO! CORRE PRA CÁ!

.

_Bela corrida.
_Por que você não corre?
_Olhe para trás.
_Porque não há ponte desabando. Suspeitei disso.
_Pois é, agora você está no meio da ponte.
_Que vibra e chacoalha como uma britadeira.
_Se você voltar estará percorrendo a distância de uma ponte toda.
_Tudo bem, se exercitar é bom.
_SUA PARTE ESTÁ DESABANDO!
_Não me venha com essa… ME AJUDE!
_…
_Não corra! Salve-me!
_…
_Hein?
_TARDE DEMAIS!

E morreu no meio do caminho.

Concerto

O buquê era uma desculpa para pedir desculpas.
O erro era dele, o conserto seria também.

_Se eu pedir perdão é sinal que estou arrependido e estou interessado em suturar a ferida. Assim é simples conseguir.
Falava com o espelho.
_Oi, eu sei que eu não deveria estar aqui. Não haveria momento certo, afinal quem buscou…
Busco o quê? O erro?
Aquele pedaço de vidro colado no cloreto de prata, ou seria brometo? Iodeto? Não importa. A coisa distorcia a imagem e o pensamento também, tudo parecia mais frágil e quebradiço quando dito para o espelho.
Palavras de vidro.
Desistiu da auto-discussão simplificando – “É só dizer e esperar o resultado”.
O resultado veio.
_Cara-de-pau. Depois de tudo o que você me causou, vir com essa conversinha de cão com rabo entre pernas?
Era o reflexo respondendo.
_Vai embora!
Outro fluxo de luz reverso.
_Como você pôde?
Em nenhuma reflexão ela perdoaria, mas ele estava lá, andando como quem assume o erro, pronto para o que viria.

–Campainha
–Novamente

Ninguém.

E a irritação transfigurou-se em um soco no portão. Saldo: 2 dedos quebrados, 1 tinta vermelha em 1 portão branco com leve grau de modificação.
Mais um erro para consertar.

Confiança é Coisa de Pobre

_Concordo
Eu assinei um contrato sem saber do que as cláusulas tratavam.
_Concorda? Como alguém em sã consciência pode ter este tipo de opinião? Você é um maluco!
_Não seja por isso, agora não concordo mais; isto te faz feliz?
_Fingir que mudou seu pensamento só funcionaria com os tolos que você chama de amigos. Comigo a verdade é só uma, e você é um doido varrido.
_Eu só disse que concordava.
_Só? Você tem noção do impacto que uma opinião como esta pode causar?!
_Pare de atribuir peso as coisas, é por isso que você vive reclamando da sua úlcera estomacal, é por isso que você a tem. A vida não é tão pesada assim, nem deve ser.
_Ora, isso seria bonito de dizer se eu estivesse conversando com um colegial, não com você!
Ela tinha razão. Um governador jamais assinaria uma emenda para liminar os impostos de importados e triplicar a carga tributária de itens da cesta básica.
É o tipo de coisa que se realiza em momentos de fraqueza.
Momentos de fraqueza são luxo de civis.
_Ora, é só comprar algum semanário dizendo que foi um golpe da oposição.
_Novamente.
Eu poderia prolongar o diálogo com minha assessora e dramatizar minha queda. Mas o que o senhor quer é só mais um capítulo para o seu livro bombástico, não é?
_Sim.
Pois então, desse atual andarilho que usa o seu latim para escrever cartões e sobreviver só vale ressaltar a punhalada de minha aliada, que tinha conchavos e eu nem sabia, põe aí no seu capítulo que confiança é coisa de pobre.