Sonhos Lúcidos – 13

Tudo em branco, flutuava no espaço, sem noção temporal, eu pensava coisas que não faziam sentido ou que nem podia compreender.

E começou outra queda livre, só entendi que caía por causa do vento em sentido oposto, porque a gravidade também parecia severamente afetada desta vez.

Não sei, de fato, se tudo era branco ou eu estava cego. Sei que a queda acabou quando fui absorvido por um balde de tinta.

Tinta.

Eram todas as cores numa tinta só, mas não-misturadas, cada feixe, cada espectro estava decomposto, pude chamar de tinta por sugestão, porque me dei conta que não era propriamente líquido, apesar de eu ter caído como uma pedra na água, até com o mesmo som, agora eu estava escorregando nos raios, cada um de cada cor, pareciam vivos, e o balde não existia mais.

Posso até dizer que vi cores que não existem.

Ou que não poderia ver acordado.

E fiquei sendo cor, experimentando até acordar com o sol queimando a testa.

Etapas da Refeição

Batatas assavam no forno, debaixo de uma generosa camada de queijo e creme de leite. O cheiro espalhava-se pela casa e temperava a conversa:

– Esse almoço vai ser um sucesso!

– Acho difícil, falta carne.

– Já fizemos churrasco ontem, só vou esquentar alguns pedaços de carne no azeite e um molho de tomate com amendoim.

– Eu hein, parece sobra.

– É carne.

– O que você acha que falta então?

– No almoço?

– Não sei, falta algo em mais alguma parte da sua vidinha?

– Nossa.

– Não me culpe pela miséria de vida que você escolheu!

– Você acha que vivemos na miséria?!

– Miséria do quê? De quê?

 

Ia passar do ponto. A batata estava queimando.

 

– Eu não vou estragar o pouco que sobrou. Já volto.

Ela desligou o forno, retirou com as luvas que ganhou no chá de cozinha a batata gratinada e premiada, lembrava sobretudo as manhãs antes dali.

– No fim, fico feliz pela sua incompetência reprodutiva. Não queria que prolongasse sua infelicidade para mais um ser-vivo.

– Estamos comendo. O almoço é sagrado, fiquei quieta.

 

Brigas, batatas, pernas, descanso, volta, almoços.

E por aí, cada par descobre as próprias chagas e doces. Mesmo que a louça seja bem lavada, sempre há uma mancha nos talheres que serve para mostrar que eles têm função, sentido em existir.