Na clínica odontológica a sala de espera não apresentava muitas pessoas. Era o quarto andar de um prédio cinza, novo, entretanto cinza, um espaço amplo, arejado, com uma enorme janela, vista para o centro. Algumas plantas da moda, revistas velhas e nenhuma televisão.
A moça da recepção era simpática, belo sorriso, belo corpo – atrás das feições morava a indignação de quem se formou em administração e não conseguira nenhuma das carreiras que sonhava, toda sua postura “anti-mulherzinha”, toda sua diferença, tudo não serviu de nada: Estava ali, solteira e ganhando pouco.
Os ruídos mais comuns se revezavam entre sirenes, buzinas e gritos vindos de dentro do consultório do Dr. Almeida – não havia passado em medicina e preenchia um filão de personalidades com buracos e arranhões, descontou sua frustração tentando ser o melhor profissional de sua região sem se corromper jamais, primeira parte executada, a segunda não; percebera que se quisesse clientela fiel e um negócio próprio precisaria fazer serviço pela metade (obturação que não tirava toda cárie, extração que deixava a gengiva inchada, raspagem que retirava mais esmalte que o habitual, etc.) e ter apoios políticos (menos impostos aqui, ajuda sua campanha ali, dou dentadura de graça cá, você me financia acolá) de todo tipo.
Dr. Almeida era casado, não tinha filhos, queria realizar sua fantasia de pegar uma secretária de sua clínica (a única), contudo, Maristela (sim, esse era o nome da moça) considerava o doutor um tanto quanto nojento e asqueroso, ameaçava gritar e processar quando o profissional se aproximava dela, assim o ano ia prosseguindo e as fofocas do edifício também.
A construção era dividida em andares, cinco no total, cada andar tinha dois ou três empreendimentos, não era um mini-shopping, estava mais para um grande utilitário: Dentista, estacionamento, farmácia, papelaria, sex-shop, restaurante vegetariano, artigos esotéricos, lotérica, e outros mais que não se precisa saber.
Almeida possuía fama de mau, as crianças que iam acompanhando os pais que lá trabalhavam, “Não tenho onde deixar meu filho, trago ele pra cá”, eram bem comportadas e gostavam de brincar entre si transformando as figuras dali, em figuras.
A personagem mais recorrente era Malmeida, o bruxo da motossera, todos ficavam com medo quando ele passava. Janaína estava arrastando-se até a clínica, tinha 13 e se dizia “semi-independente”, sabia “se virar”, enfrentava aquela fase engraçada do “não sou mais criança”. Sua parte infantil tremia de medo da primeira vez no dentista, sua parte pseudo-pré-adolescente estava indo e rindo.
Ela passou perto da meninada e ouviu:
_Então Lili, quem o Almeida fez sangrar até a morte ontem?
_Para, Leleco!
Janaína saiu correndo enquanto Maristela apertava repetidamente o botão que chamava atenção da senha da vez. “Esses atrasados, são o tumor da sociedade desde a pré-história, a diferença é que eles morriam e pronto”.