Aquela bomba-relógio que eu observei contando, cantando a luz fria da Tv velha, o nível de distância de nossos corpos estipularia quantos segundos restavam para que o inevitável acontecesse, não se via mais graça na desgraça da rotina de classe média de casa em casa, de fumaça a fumaça e nossas formas de despistar a realidade do foco apreciado por nenhum ser humano, murmurar e praguejar no ouvido torturas que revelariam e revirariam a alma dos fantasmas angustiados, seus olhos de rubi, sangue injetado na rapidez dos pensamentos insignificantes procurando por aquele pedaço de mundo contido num sachê de creme seco do cansaço da rotina, aquela felicidade mutilada, um murro na porta – não aguento mais – gritos despertadores, descarregando, de gritos para choro histérico, mudando tudo para o silêncio – o massacre do silêncio – em que olhares dialogavam paranormalmente – É disso que você quer viver? Claro que é, a simplicidade é o suficiente para abastecer-me. Servir a um propósito que eu não entendo é bastante interessante também visto que as trilhas caminhadas pela minha ofegação me levaram a decisões inéditas, viverei para servir – Servir a mediocridade de um deus, que todos servem, você não pode cometer a ousadia de procurar algo original, que possa chamar de seu, algo que não pareça doentio e desconstruído? É preciso viver de maneira que quero independente do que isso implique. Implicará na avalanche sentimental, você vai ter de procurar ficar em depressão para encontrar-se, a rua do masoquismo vai ser seu ponto de passeio, eu, eu só queria entender porque não pego um martelo, um pé de cabra, uma foice para rasgar esse peito e arrancar a angústia de dentro. Fazer isto sem arrancar sua vida seria algo impossível. Como vou poder sorrir, expressar minha felicidade e olhar para o espelho me provando que é tudo armadilha dos meus confins encefálicos? Como o meu mais radiante e branco semblante não vai parecer o mais escuro? Vamos nos entupir de ideologias e filosofias para que algo pareça existir por então. Esse caminho é muito perigoso, muito intenso. Levantando da poltrona e apelando para sinestesia era esmigalhar as lamúrias, esse dopar lembrando de como uma risada pode massacrar quando invertida, a risada demoníaca dualista que não se define, perder-se num espiral, buraco negro da lógica e aspirações e tudo sem volta e com retorno instantâneo precisa-se só achar um sentido para a geração que tem todo tempo do mundo e não sabe o que fazer – o tédio existencial – a vontade de não ter vontade, os dentes correndo, arrancando pedaços macios da própria língua carregados de veludo em que as cores perdem-se numa espiral maior, a espiral desesperada que grita para poder expulsar algo, algo metafisicamente intocável e que consegue incomodar mais que a visão inercial e sufocante da vida moderna – temos remédios – para minhas dores que me enganam melhor que aquele que morreu para me salvar sendo que eu não salvarei-me nesse jogo de procura não acha esconde não encontra quem você pensa que engana? Os insetos rolam em sua histeria, formigas vão devorando – canibais de bolso malditos – o que sobrou das ilusões do que eu já encontrei em nós e todos é melhor não pensar – é preciso desaprender, desacumular tudo que não é pertinente; a frustração é enfim a melhor condição que podem nos dar agora não é? O que precisamos mais do que sinestesia? Um coração ansioso e oxigenação corporal prejudicada podem responder ao afeto – ao tapa na cara, tapa que estala e queima revelado, personifica o tapa que só a verdade, o tapa não aceita hipocrisia – em clímax, até que ponto o nosso controle é suficiente para que não estejamos em estado de total desgraça sem conspirar com universo nenhum, ponderar sobre o valor das emoções mais intensas é algo indeterminado e arriscado, por isso deve ter um gosto tão bom e render tantas horas de energia sonora dissipada em arquivos mentais de altíssima compressão, ter a estrutura que alguns julgam – quantos juízes encontramos ao longo da existência? Todos querem julgar, é a hashtag do verão por surtos epiléticos publicitários quase de graça – crianças choram em decorrência da maldade, a dor massacrante da lágrima é uma das coisas mais belas se você quiser continuar parecendo ter sentido em suas palavras, implorando por piedade alimentícia, estamos em desespero pedindo encarecidamente que os olhos saltem, a sensação de pegar o globo ocular com os dedos e fazer cócegas em seus próprios nervos óticos – o mastigamento da visão para obter a nova perspectiva da infelicidade – vamos todos engasgar, um coral de tossidos e de pensar se despertando para a real emboscada da vida – a real desgraça da vida – pular de emoção e intercalar com a razão que não faz ideia de que se construiu ou com que cometera horríveis abominações. Não há graça na solidão – não há risos nas noites em que pessoas morrem sem ao menos dizer que amam alguém – os mini-universos são necessários para sustentar o maior; por isso ele é infinito, precisamos de algo infinito para sobreviver, para não morrermos soterrados, o pavor de não ter vivido sua meticulosa lista de insignificâncias para construir depois do fim de um sistema – e não vivo o suficiente para ler e ver o futuro, contudo carrego o peso de milênios nas costas sofridas e tratadas, quero dar importância a nós para que tudo isto seja o início do meu universo, não deixe-me rasgar minha cabeça, a lógica é não procurar lógica, viver é perigoso e viver sem viver não é permitido por isso – o que resta no fim, o derradeiro, o esperado, o inevitável – o contraste, a contradição é o que mantém. Não procure fixar-nos em uma parede.