Para 3

– Isso não tem a mínima lógica.

– Nunca teve.

– Sem exageros. Se não houvesse lógica não teria surgido.

– Não acho.

– Sua opinião.

– E a sua está acima de ser isso?

– O quê?

– Uma opinião.

 

O tablet ressoou na mesa, um barulho de plástico contra o vidro.

 

REVELADA FRAUDE NA JUSTIÇA

TODOS OS PODERES ESTÃO ENVOLVIDOS

 

– E agora deixou de ser, está acima.

– Não acho. Para quem foi todo esse dinheiro?

– Os poderes.

– Daí eu perco minha razão profissional. Prefiro não acreditar.

– Isso não vai fazer diferença sobre o que está acima do pessoal.

– Não precisa. Basta para meus eus.

Tranças e Janelas

O carro estava lotado, era um almoço de domingo na casa gigante do tio rico, várias crianças, primas, vizinhas, coloriam o veículo enquanto fuçavam em todos os botões que o papai deixava.

Das 6 ali, 5 estavam desfrutando do momento com aquela deliciosa dor do tempo que se comprime e voa. Tinham noção de que aquilo era passageiro, mesmo naquela idade tão tenra, e isso as assustava. Por isso tanto brincavam, tanto gritavam, sabiam que o mundo não ofereceria felicidades maiores, sim de outras fontes, mas não com intensidade maior.

O sexto estava aderido no plástico da porta direita, ficava olhando no vidro elementos da rua se alternando, árvores, postes, pessoas, luzes, sombras, barulhos. Gostava de estar ali e não estar ao mesmo tempo. Sentia-se mais ligado ao mundo que em quase nenhuma outra ocasião.

Papai e mamãe mistavam pequenas broncas com momentos de contemplação. Sabiam que o churrasco era o de menos, a grande atração era essa ida e a grande alegria que vinha do banco de trás.

Pigarro Que Não Sai

Era debaixo da nuvem de poluição, de fuligem, sem olhar para o ápice dos arranha-céus e sempre esmagando lágrimas que se vivia na cidade monocromática.

Se era esfaqueado em silêncio em cada beco, se conseguisse auxílio, seria fotográfico, os bipes e cliques artificiais dos smartphones eram a nova marcha fúnebre, velavam corpos diariamente por ali.

As pernas ardiam e o quadril estava perdido, desperdiçando energias e reprimido por remédios, pela morte que vinha em força de estresse, do baço explodindo para vazar toda frustração deliciosa.

Era como se a existência acompanhasse andares, degraus limitavam e mostravam o degradê. Azar de quem morasse com a janela de cara com a fumaça.

Ontem vi uma imagem de pôr-do-sol, creio que sejam múltiplos filtros, tudo fake, abrace e o ame ou morra sem ao menos dessa ilusão experimentar, porque ela é o que tem pra agora.

Linhada

Inicialmente era uma linha. Bastante simples e agravável esteticamente, não era ríspida ou áspera por lhe faltar dimensões. Ainda assim era atraente justamente pela sua simplicidade.

Contudo o tempo não passaria se linha permanecesse. Percebeu que poderia ser mais que isso, resolveu se ramificar, empregou um esforço gigante para duplicar uma de suas pontas infinitas.

Agora não era mais uma linha, tornara-se bifurcação. Viu que estava irregular e não-simétrica,  o que a incomodou, até concluir que sua particularidade era a síntese de sua beleza.

E cansara, fizera mais esforço para mudar, mudar não é ruim, e do nada, assim, de súbito mesmo, duas setas explodiram, e agora a linha apontava duas direções.

Notou, tristemente, que mudara e mudara até alcançar o estado de ordenador e assim não possuía utilidade.

Nunca existiu a quem direcionar.

Fluxo 37

Vejo pensamentos de uns que consideram-se especiais ou mais que números apontando que possamos estar vivendo numa das piores épocas da existência humana, bem como consigo enxergar o contrário, de que este é o momento de propulsão, de mudança, o momento sublime e maior em que enfim nos conectaremos a algo melhor que a simples falha-progressão, talvez seja a hora de explodir mais uma revolução, contudo tenho toda a força que essa década que rompe não será uma década de calmaria, e não só em vida simples, vida geopolítica, agrupada ou maior, em termos individuais também, sinto que será uma época de muitos sentimentos fortes, de explosão sobre auto-conhecimento e confrontos contínuos, é como se estivéssemos cada vez mais próximos de um big-bang histórico, em que o nosso universo de conceitos, descobertas e conhecimentos estivesse expandido-se em velocidade ímpar, e cada vez mais e mais rápido de modo que irá se chocar brevemente, talvez seja o senso implantado em nós de que algo está mais rápido, ou não, não, a história está mais célere, isso não é dúvida ou sombra dela, a polarização de conceitos e coisas abstratas incomoda e é crescente em seus olhos, nos olhos de todos, a paciência está sendo eliminada aos poucos, a calmaria está prestes ao fim, o fim está prestes a acabar, de maneira que os segundos não serão mais suficientes para abarcar tantas mudanças de uma só vez, em relação a posições políticas e ideológicas, grandes inutilidades serão e estão sendo lançadas, tudo pela impaciência, pelo imediatismo, pela conformidade não aceita, pelo fim da inércia, pela vontade de pulsão, pela forma inevitável que essa pulsão assume em todos que estão vivendo, porque só viver,  já bastam não ter seus miolos degradados ou mesmo dilacerados por alguma doença e perder sua alma é o que todos tememos, não, ou queremos, queremos? Tenho liberdade para falar em conjunto, para falar além do meu invólucro carnal? É tudo muito rápido, muito violento, conforme os dias tornam-se milésimos os sorrisos viram respiração e nossos descendentes serão ponteiros, barras que carregam esperando o futuro do futuro que já está mais lento que o presente, por si só dilata-se de uma maneira fantasmagórica, em passo que estamos indo e voltando sem sair do mesmo bloco temporal, o tempo tem sofrido rachaduras incríveis e assustadoramente instáveis, ser um só não basta, ser a manifestação verbal ou de palavras não se faz suficiente em dias atuais que prometem promessas e só? Só? Manifestações pulsarão como sempre, e já serão esquecidas, a velocidade das mortes é incessante, bem como dos nascimentos, e não há risco de ser esquecido, o risco maior é de ser explodido, e ainda assim, voltar a ser quem você merece, mérito, o mérito é uma piada singela, daquelas feitas como macarrão instantâneo, tudo deve ser, fica o reflexo de que é feito pelo homem tal processo de aceleração dos pensamentos ou o homem é só reflexo de algo maior, universal, ou ainda se é megalomania de uma ponto que não representa mais anda que um amontado de átomos que tenta buscar significado pela maldita maldição que é ter uma consciência, daria para associar consciência a vida? Ou melhor, podemos mesmo associar falta de existência a falta de consciência,ou ainda, dissociar um do outro? Sobram várias perguntas para desafiar e levar a vida toda em pulsos e mais pulsos, todos muito rápidos, alguma hora arrebentará tudo em hemorragia suprema, em nova vida, em big bang. Isso é certeza, saber.
Eu não sei.